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  • Foto do escritorCharles Dayler

PL 1004/2016 - A reserva do mercado ambiental no DF

Atualizado: 18 de nov. de 2019





1. INTRODUÇÃO


Está em tramitação na Câmara Legislativa do Distrito Federal o PL 1004/2016 de autoria da Deputada Telma Rufino que traz em sua ementa a seguinte redação:


“Estabelece princípios, diretrizes, objetivos, metas e estratégias para a contratação de responsável técnico em meio ambiente ou consultoria técnica especializada, por empresas potencialmente poluidoras e utilizadoras dos recursos ambientais no distrito federal, e dá outras providências.”


Quando se observa o inciso I, Art. 1º do referido PL vê-se a criação da obrigação de contratação de no mínimo um responsável técnico ambiental, em caráter permanente, por empresas consideradas potencialmente poluidoras no DF. No inciso II do mesmo artigo são indicadas algumas categorias profissionais de onde deverá sair a mão-de-obra para atendimento ao PL. Tudo isso reforçado pela redação do Art. 2º:


Art. 2º - A responsabilidade técnica do estabelecimento será comprovada por declaração de forma individual, contrato social ou estatuto de pessoa jurídica ou pelo contrato de trabalho do profissional.”


Vamos discutir esse projeto sob o aspecto econômico e legal, e verificar se realmente ele é vantajoso para a sociedade.



2. ASPECTO FINANCEIRO


Em um primeiro momento pode parecer uma boa ideia, mas quando colocamos na discussão toda a crise financeira pela qual o país vem passando vem à tona a pergunta de quanto custa a nova obrigação e como pagar essa conta?

Recentemente se tem visto a atuação do CREA em todo o país cobrando ações de quem quer contratar profissionais inscritos nesse conselho, para garantir o piso salarial de 8,5 salários mínimos por uma jornada de 40 horas semanais. Considerando o valor de hoje do salário mínimo de R$ 998, cada profissional desse receberia mensalmente R$ 8.483,00. Porém, sabe-se que esse não é o custo real mensal de um empregado para uma empresa.

Para avaliar o custo total foi utilizada a metodologia do Centro de Microeconomia Aplicada da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EESP) em parceria com a CNI (Confederação Nacional da Indústria). No cenário apresentado foram considerados os juros reais em 1,65 (dados de 2019) e o salário mínimo profissional considerado no parágrafo anterior. O custo mensal, com todas as obrigações legais incluídas (e encargos trabalhistas) foi de R$ 17.020,07. Ao se anualizar (13º e 1/3 de férias foram considerados) esse valor chega a R$ 229.770,945.

Chama a atenção o fato de o Parecer nº 02 da Comissão de Desenvolvimento Econômico Sustentável, Ciência, Tecnologia, Meio Ambiente e Turismo – CDESCTMAT não ter feito qualquer análise do impacto financeiro da medida para o setor empresarial e mesmo assim ter aprovado a medida, bem como a tramitação relâmpago em todas as comissões da casa. Sob o aspecto financeiro a medida não poderia ser mais inoportuna.

E tudo isso se soma ao fato de as empresas afetadas pela norma terem o prazo de 120 dias para a sua adequação (Art. 6º), ou estarão sujeitas às penalidades previstas no Art. 5º do PL.



3. ASPECTOS LEGAIS E TÉCNICOS

Quando vai se realizar a avaliação dos impactos ambientais de empreendimentos potencialmente poluidores é necessária uma análise complexa avaliando todos os componentes do meio ambiente. Aspectos relacionados ao meio físico, recursos hídricos, fauna, flora, econômicos e sociais devem ser considerados, e nenhuma categoria profissional congrega todas essas atribuições ao mesmo tempo.

Ao observar o disposto no inciso II, do Art. 1º tem-se um rol de categorias profissionais que atendem ao inciso primeiro. O item VIII desse inciso tem a seguinte redação:

“VIII – Geólogo e demais profissionais com especialização na área ambiental”


Esse item é extremamente genérico e acaba por desfazer a regulação que se pretendia com o inciso II, já que não há qualquer definição no texto do PL sobre o que é a referida “especialização na área ambiental”. Não se sabe se essa especialização se refere a graduações que contemplem em seu currículo disciplinas que estudem algum dos aspectos do meio ambiente ou se está se referindo ao conjunto de graduação (em qualquer área) + especialização (pós-graduação) na área de meio ambiente, isso não fica claro.

Outro ponto controverso no projeto é o parágrafo único do inciso II do Art. 1º. Sua redação diz:

“Parágrafo único – O conselho de classe do respectivo profissional responsável técnico, deverá emitir documento referente às atribuições profissionais, antes da contratação.”


Inúmeras profissões já possuem regulamentações constituídas e de conhecimento público como os engenheiros, arquitetos, advogados, dentre outros. Cria-se uma burocracia desnecessária quando se solicita a emissão de documento por parte do conselho de classe, além do risco de o tal documento ser cobrado. Ainda nessa linha, tem que se lembrar de que nem todas as profissões hoje existentes são regulamentadas. Com a aprovação do PL 1004/2016 vai ser criar uma reserva de mercado, indo na contramão de tudo o que o país vem fazendo no sentido de se tornar uma economia mais liberal (vide PEC 108/2019).

Outra consequência que deve ser lembrada é da possibilidade de emissão de Anotação de Responsabilidade Técnica – ART fantasma, quando o documento é emitido por um profissional registrado em um conselho de classe sem ter uma atuação verdadeira no empreendimento.

No inciso III, do Art.1º a redação diz:

“São consideradas empresas potencialmente poluidoras aquelas que exercem atividades conforme tabela de atividades do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA”


O texto reforça a gravidade de impacto financeiro que pode acontecer ao setor produtivo por ignorar aspectos técnicos e legais do aparato legal brasileiro. É de conhecimento de todos aqueles que trabalham no setor ambiental, seja no setor público ou privado, que o enquadramento das atividades para posterior realização de sua avaliação de impacto ambiental é resultado da ponderação entre o seu potencial de impacto e seu porte produtivo, ou seja, atividades de grande porte e grande potencial de impacto passam por um processo muito mais criterioso de análise geralmente um EIA/RIMA. Quando feita a ponderação e o porte da atividade, bem como o seu potencial são considerados pequenos a atividade tem um rito de análise simplificado, sendo em alguns casos até dispensada de apresentar uma aferição de impacto.

Essas situações de enquadramento da atividade são previstas na Resolução CONAMA 237/97 e as situações de avaliação simplificadas estão previstas em seu §1º do Art 12, com a seguinte redação:

Art. 12 - O órgão ambiental competente definirá, se necessário, procedimentos específicos para as licenças ambientais, observadas a natureza, características e peculiaridades da atividade ou empreendimento e, ainda, a compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de planejamento, implantação e operação.

§ 1º - Poderão ser estabelecidos procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental, que deverão ser aprovados pelos respectivos Conselhos de Meio Ambiente.

No caso do Distrito Federal, essa simplificação fica a cargo das Resoluções do Conselho Distrital de Meio Ambiente – CONAM. Apesar de todos os problemas técnicos e de legalidade dessas normas (veja aqui uma análise das resoluções), são válidas para determinadas atividades. Uma vez que as atividades passam por um controle mais simples e às vezes nem necessitam de ter esse controle prévio, não faz sentido algum se exigir que as empresas tenham um responsável técnico sobre o assunto ambiental.

Ainda no inciso III do Art.1º existe uma confusão completa entre os conceitos de poluição, degradação ambiental, qualidade ambiental e impacto ambiental, tornando a compreensão do trecho difícil para quem detém conhecimento técnico no assunto, imagine a situação de quem não é da área ambiental (recomenda-se a leitura do livro Avaliação de Impacto Ambiental - Conceitos e Métodos - 2ª Ed. 2013 do Prof. Sánchez).

Mas do referido trecho o que salta aos olhos é a definição de poluidor:

“Poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito privado responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.”

Diante disso fica o questionamento se as atividades do poder público não causam impacto ambiental e por isso não necessitam do referido responsável técnico ambiental?

O que dizer das ETE’s, obras de infraestrutura, rodovias, parcelamentos de solo, do maior lixão a céu aberto da América Latina, bem como do aterro sanitário de Samambaia? São atividades/estruturas sem qualquer impacto ambiental?

No Art. 3º quando se fala em “segurança ambiental”, “trabalho na prevenção de acidentes” e nas “medidas emergenciais”, abre-se espaço para questionamentos em relação à invasão de atribuições profissionais de classes não abarcadas pelo PL 1004/2016, como os engenheiros de segurança do trabalho por exemplo.

Outra falha extremamente grave do PL consta do seu Art. 4º:

“O Instituto Brasília ambiental – IBRAM exigirá o cumprimento integral da presente Lei quando da emissão do licenciamento de operação das empresas enquadradas no inciso III, Art. 1º deste dispositivo legal.”


Um empreendimento não passa a existir ou a causar impactos ambientais somente do momento de sua operação em diante, tanto é que a regra no licenciamento ambiental previsto na Resolução CONAMA 237/97 é o de rito trifásico. A depender a atividade, a principal etapa que gera impacto é a fase de instalação do empreendimento, que se inicia a partir da licença de instalação – LI. Na redação dessa resolução que trata da LI temos:

“Art. 8º - O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:

...

II - Licença de Instalação (LI) - autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante;

...”

Diante do previsto na Resolução Federal, vemos que a apreciação de planos e projetos, buscando antecipar eventuais impactos ambientais do empreendimento, é realizada antes mesmo que a sua execução aconteça.

Considerando as questões de aspecto técnico-legal e financeiro, que trarão prejuízos ao setor produtivo do DF, a melhor solução ao caso seria a interrupção da tramitação do projeto e a abertura de diálogo com o setor produtivo e com especialistas no assunto, lembrando que durante a apreciação do projeto não foi realizada nenhuma audiência pública.

Recomenda-se que a partir dessa discussão seja apresentado um novo PL para a regulação do tema.


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